sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Te criei ao meu prazer ( Ricardo Rossi )

Por te amar te criei ao meu prazer,
E não te via porque te amava, espelhava em ti o que eu queria,
Por te amar contei todas as horas que contigo estava.
Não contei o tempo que sem ti vivia ( não vivia as horas vazias... passavam )
E te amava porque tu me levavas a me amar e sorrir quando eu queria chorar,
E te criei entre águas e ventos e nuvens em um céu cinzento.
Colhi das tuas mãos toda poesia,
Naufraguei em oceano no teu olhar em um mar de silêncio.
Perdi-me para te encontrar... te encontrei para perder-me.
E já não tenho no olhar o brilho que um dia vivi.
Ora sou o eu que desconheço... e a quem não pretendo encontrar,
Sou as lembranças de mim mesmo, sem glórias nem desprezos,
Sou nada em que tudo se fez,
E por nada ser... sou o tudo em um único ser!
E vazio de ti sou eu a metade de mim.
Meu olhar se perdeu de ti... tua voz é silêncio,
Teu gesto é saudade, teu nome é lembrança... esqueci-me de ti...
Lembrei-me de ti... perdi-me de mim.
E a vida segue ao seu viver,
Sem mais dores de amar... porque um dia te amei!

São Paulo 26/08/2011 11:02h

Ricardo Rossi

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

ESTÁTUA ( Ricardo Rossi )

Vens em mim agora como sempre...
exististes em mim como eterna!
Porque não existes... te criei em meus sonhos,
não ouço o som de tua fala porque me fiz surdo.
E teus gestos não vejo porque me fiz cego.
Perdi o nome que te emoldurava... minha voz se fez muda.
Petrifiquei-me... e no íntimo... meu coração chora.
Não te procuro, porque rasguei meus mapas,
quebrei minha bússola... não sei o norte!
Em meus dias coleto as lembranças (belas e tristes),
recolho-as como quem colhe o que da terra nasce.
Em minhas noites vens aos meus sonhos,
nada me dizes porque sou surdo de tua voz.
Teu silêncio me acompanha, no sonho da noite... na luz do dia.
E já não digo em sussurro íntimo o teu nome... estou mudo.
E te vejo como flor (em fotografia)... colhida por outras mãos.
Mas te eternizei, e te deixarei para sempre diante de meu sentir...
agora és uma estátua!

S.Caetano do Sul 22/08/2011 09:52 h


Ricardo Rossi

domingo, 21 de agosto de 2011

Queria cantar as árvores ( RICARDO ROSSI )

Ah ! as árvores... queria cantar as árvores,
e suas folhas farfalhando na brisa,
e suas flores colorindo primas-vera,
e seus frutos dando sabores e aromas.
Queria cantar a natureza das coisas,
que fazem a natureza com simples naturalidade.
Mas não o sei... não posso...
Estou tão dentro das minhas próprias entranhas,
por ser talvez egoísta dos meus próprios pensamentos,
me escravizo ao meu eu, carregando-me nas costas,
vejo a natureza com olhar de quem não enxerga,
vejo as coisas que existem com o sentido de quem não sente.
Tudo o que me cerca neste mundo natural, apenas me cerca,
nada vejo e nada sinto, nada ultrapassa ao limite do meu eu.
É mesquinho este meu viver... apenas dentro do eu,
no entanto não me conheço... penso no que sou e me engano,
Surpreendo-me vendo-me e não me sabendo,
sou o meu estranho dentro do eu, e tudo existe fora de mim.
Mas meu sentir não sente, e o tempo passa...
Ah ! as árvores... queria cantar as árvores!


S. Caetano do Sul 21/08/2011 18:18 h


Ricardo Rossi

domingo, 14 de agosto de 2011

Assim como as flores um dia se despertam nos vasos das salas em silêncio ( RICARDO ROSSI )

Quando abri meus olhos nesta manhã,
eu não pensava em nada...
não desejava nada e um nada se fez em mim.
Meus sonhos da noite já quase perdidos,
boiaram em fragmentos de minha memória,
os sonhos que vivo em sono,
refletem eus que me abandonam ao despertar,
mas são tristes assim como minha própria existência,
ser triste não é um castigo, é um jeito de ser,
assim como ser contente é o jeito de ser de outros.
Um vaso de flores sobre a mesa da sala mergulhada em silêncio... é triste.
As mesmas flores nos jardins ainda não colhidas são felizes,
são contentes de serem flores nos jardins,
e desconhecem as tesouras que as transformaram em tristes flores nos vasos das salas em silêncio.
São flores felizes por desconhecerem as salas, os vasos e o silêncio.
Assim como as flores um dia se despertam nos vasos das salas em silêncio.
Desperto eu em meu olhar matinal que enxerga o teto branco!

S. Caetano do Sul 14/08/2011 09:20 h

Ricardo Rossi

sábado, 13 de agosto de 2011

UM MOTIVO ( RICARDO ROSSI )

As vezes, as palavras fervem em minha boca,
mas gelam em meu coração,
e sufocam-se na minha alma.
As vezes, há mais luz em meu olhar que no sol do meio-dia,
mas apaga-se em meu ver,
e torna breu o meu pensar.
As vezes, me amo e admiro,
mas me encontro e fico triste,
a saber que em quem penso ser, não existe.
Não trago flores em minhas mãos,
nem é firme meu caminhar,
e perdido em minhas palavras, tento eu me explicar.
As horas andam comigo,
e não tenho eu mais amigos.
e mergulho no silêncio de mim, a buscar no que ainda pulsa,
um motivo... só um motivo e nada mais.

S. Caetano do Sul 13/08/2011 20:39h

Ricardo Rossi

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Passado é o Presente na Lembrança ( Fernando Pessoa )

Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é o presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.

Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa

terça-feira, 9 de agosto de 2011

As vezes me perco ( RICARDO ROSSI )

As vezes me perco em meu próprio sentir,
E busco encontrar-me tal como me perdi,
Mas sei impossível reencontrar-me como antes
Meu coração muda em seu sentir, e meus olhos mudam em seu olhar.
Quando mais alem me encontro... não mais conheço-me.
Estranho em meu ser, sou o eu de agora,
E no depois mais estranho estarei em mim.
Assim sigo ao adiante que vem em meu caminho.
Sem saber o quanto amarei ao que no futuro me fará em EU.
O que importa... ao futuro se reserva o que hoje nos é desconhecido.
É como abrir uma cortina que nunca antes,
É como caminhar por um caminho que nunca antes,
É como aprender palavras e sentimentos que nunca antes...
Assim serei no eu que ainda não conheço... meu intimo desconhecido!

S.C.do Sul 09/08/2011 17:54h
Ricardo Rossi

Quando eu não te tinha... (FERNANDO PESSOA)

Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora Amo a Natureza como um monge calmo a Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até a beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor — Tu não me tiraste a Natureza...
Tu mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim.
Por tu existires, vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e para te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as coisas.
Não me arrependo do que fui outrora
Por que ainda o sou.


(Alberto Caeiro) ( Fernando Pessoa )