terça-feira, 28 de setembro de 2010

Fato consumado ( Ricardo Rossi )

Já não posso fumar o que eu gosto!
Nem tão pouco o quanto eu gostaria,
me contento com quatro tragadas
seis vezes ao dia.

Sigo o rito de modo religioso.
Na tragada da fumaça de morte,
sugo o incenso divino com sabor do gozo!
e a brasa viva e quente, me diz ... “ DE REPENTE?...”

Mas não importa, se já Inês esta morta,
o leite derramado,
a vaca no brejo,
e o cego sem bengala!

O estrago do pulmão,
já é fato consumado!


S.André (sem data e hora)


Ricardo Rossi

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Última Canção do Beco ( Manoel Bandeira )


Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades
(Mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos),
Adeus para nunca mais!

Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!

Beco de sarças de fogo,
De paixões sem amanhãs,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da adolescência
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhãs!

Beco das minhas tristezas.
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas...
E eras só de pobres quando,
Pobre, vim morar aqui.

Lapa - Lapa do Desterro -,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)

Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os pobres,
Para mulheres tão tristes,
Para mulheres tão negras,
Que vêm nas portas do templo
De noite se agasalhar.
Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é santa
Pesar de todas as quedas.
Por isso te amei constante
E canto para dizer-te
Adeus para nunca mais!

Coisa di valia ( Ricardo Rossi )

Si o doto mi pregunta pru que to aqui, num sei,
sei qui minha mãe era Maria i meu pai Aresteu,
sei qui um dia pegamo um trem, i num sei di onde a gente vinha.
Viemo pra qui nesta cidade, i cum fio novo nu colo,
minha mãe mando eu i ganha dinhero; catando pape,
lata i otra coisa di valia.
Sai por esse mundão di adificio pra ganha du meu oficio,
Catei pape di muito, lata di um poco e coisa di valia,
nunca catei nada!
Andei noite i dia , i a cidade si esparramava,
i mais andava, mais perdia .
Nunca mais vi pai Aresteu, nunca mais ovi mãe Maria.



S.Paulo 20/09/2010 08:41h


Ricardo Rossi

Poema tirado de uma notícia de jornal ( Manoel Bamdeira )

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.




O último poema
Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.



A morte absoluta

Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.


Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.


Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?


Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.


Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."


Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.

Evocação do Recife ( Manoel Bandeira )

Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
— Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!


A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão


(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.


Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
— Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras


Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
— Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.

domingo, 19 de setembro de 2010

Ojos color de los pozos ( musica Venezuelana ) Letra de RUMMY OLIVO

Amor querido me voy para los esteros,
ay los estero agua abajo y por la orilla
en mi bongo sin palanca con una vela sin brisa
al anochecer sin luna sobre el paisaje sin líneas
ante el azar sin apuestas de tu adiós sin despedida
cantándole sin reposo a mi guitarra sin prima
a tus ojos sin tristezas, ay sin tristezas mi canción sin alegría
ojos color del ensueño de la resaca azulita.
Pulsando con el reflejo, con el reflejo bordones de agua dormida
dejos de cuatro doliente la palma sola suspira
un hilo de alas yéndose angustia las lejanías
por los rumbos del te quiero, paso de la huella íngrima
sabana del nunca llegas, cunas del quizás me olvidas
arenales y arenales se me encerraron la picas
esta ausencia sin distancia, ay sin distancia en la canción se me abisma
Ojos color de los pozos de la resaca azulita.
Allá viene la amargura, ay la amargura por un callejón de dichas
más en ti se me perfuman las penas y la alegrías cariño lindo las penas y las alegrías
porque aquel cantar amargo puro anhelo y pura espina
te lo guardaste en el seno, nidal de las cosas intimas
donde tu fe se arremansa y tus querencias palpitan
y por eso bajo el éxtasis de las tardes pensativas
a rociarse en ti los sueños en ti los sueños se van mis cantas marchitas
Ojos color de los sueños de la resaca azulita
Ojalá hubiera cien llanos, ay cien llanos entre tu vida y la mía
y cien Apures cruzando por la sabana infinita, cariño mio por la sabana infinita
ni un potro para la ruta, ni una canoa en la orilla
ni un gallo en la media noche, ni un toldo en el mediodía
ni un cocuyo en las tinieblas, ni un retoño en las ceniza.
Entonces todo salvándolo, sereno te buscaría
pero esta ausencia sin lejos es para mi trocha valla, para mis angustias , pica
Y en el playón solitario, ay solitario donde el cantar se me abisma
no me atrevo ni a soñar, no me atrevo ni a soñar el cielo de tus pupilas
Pupilas color del alma de la resaca azulita

sábado, 18 de setembro de 2010

Mansa solidão ( Ricardo Rossi )

Horas que divisam, sombras e claridades
das horas de saudades,
que habitam nos porões da alma.

Quem sabe; tem calma!
Quem conhece; tem verdade!
Quem vive; tem razão!

Deixo na saudade... Uma flor
em um vaso quebrado, que uma folha
verde só ostenta.

Ao vento que agita, sem luz que ilumina,
na sombra que fica... na mansa solidão.
Quem tem calma... tem razão e tem verdade!

S.Paulo 18/09/2010      13:15h    ( H. A.C.Camargo )

Ricardo Rossi

Talvez? amei ( Ricardo Rossi )

Saber amar?... quem o sabe?
Se de sonho é realidade ou se pensa que sente?
Como se sente o amor que se pensa?...
Com a razão que clareia,
ou com o coração que devaneia?
Não o sei bem se amar, amei?
Também não sei se o amor faz bem?
Quem sabe se um dia, talvez?... amei!


S.Paulo  18/09/2010   12:38h  ( H. A.C. Camargo )

Ricardo Rossi

Autopsicografia ( Fernando Pessoa )

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

Almas pecadoras ( Ricardo Rossi )

Me encantam as almas pecadoras,
os seres santificados não me precisam!
Sou alma pecadora e meus pecados vivem comigo
em todas as manhãs acordo dos meus sonhos,
revejo os pecadores, contas de meu rosário.
Eu sou a cruz que no meio dependurada,
baila no ar entre pecados meus e alheios.
E não há pecado na alma, há vazios...
Há histórias perdidas e desencontradas,
dores sem remédio e remediados sem cura.
Sem remédio é o pecado que fica na alma...
São santos meus pecadores, e eu santificado,
nas angústias passadas vivas no presente.
E nada se muda porque não existe o perdão,
são palavras criadas para determinar sentenças!
E as cruzes vivem nos calvários de cada vivente,
as carregamos... e já não nos pesa nada.
As cruzes já estão impregnadas de nós mesmos,
somos as próprias cruzes que ostentamos.
Somos os pecados presentes e de pecados perdoados.
Somos santificados pelos pecados e pecadores santos,
sem remorsos nem pudores nós nos perdoamos.
E tudo está perdoado e tudo está santo ou santificado.
E tudo é a divina pureza... em água santa banhada.


S.Paulo 18/09/2010 07:50h ( H. A.C.Camargo )


Ricardo Rossi

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A porta ( Ricardo Rossi )

Tenho na mão a chave
e vejo a mina frente, a porta.
Mas não quero abrir a porta!
Neste momento ainda não quero,
preciso de mim algo ainda...
Preciso me completar,
me fazer total ainda quero,
e vazios ainda em mim existem.
Preciso me fazer repleto.
Preciso deixar dito o que não disse...
E fazer por feito o que ainda não existe!
Tenho sementes em meus bolsos.
Idéias em minha mente e sentidos em minha alma,
E desejos trago em meu olhar e vejo a horizontes.
Não quero abrir a porta.
A porta me esperará ... aguardará seu momento.
E a vida em mim se faz latente,
Por que hoje realmente, eu enxergo a porta!


S.Paulo 17/09/2010 12:57h ( Hospital A.C.Camargo )

Ricardo Rossi

domingo, 12 de setembro de 2010

Um soneto ( Ricardo Rossi )

Um soneto para bem sentir
As rimas com cuidado vais ouvir
Não da palavra que se combina
Mas com a devoção que te domina

Ler com emoção entregando o coração
Na arte das palavras justas arquitetadas
Se bem montadas, perfeitas ficarão
Se fizer com sabedoria amplia a emoção

E se deixe aos versos na divagação
Criando universos de pura beleza
Onde se encontre o sentimento e a razão

E assim encontrando a justa rima
Escrevendo com a mais pura devoção
Um soneto que infinitamente a alma ilumina.


S.André 12/09/2010 20:56h

Ricardo Rossi

Horizonte que um muro esconde ( Ricardo Rossi )

Quando o tempo de mim se despedir,
morrerão as minhas lembranças que viveram em meu sentir,
as historias de que vivi ficarão
perdidas nos papeis que voam...
Pássaros de letras e de frases imperfeita
voando sem saber para onde ir.
No meu olhar levo apenas
o que a alma é essência,
Sem sonhos de amanhãs
nem manhãs de aurora clara,
nem poente das vivas cores,
nem outros sonhos de amores...
Sem vontade de nada.
Já não as tenho... Vontades presentes.
Meus dias passam numa procissão solene,
deixando atrás de mim o acumulo das horas.
Meus sonhos são diáfanos como a brisa matinal,
não posso guardá-los em meus bolsos.
Aos sonhos, nada importa,
desfazem-se no olhar que acorda.
Outras auroras viram quando eu não for presente,
as auroras sempre estarão comigo,
onde estiver minha alma a contemplar outros poentes.
O meu olhar que agora pela janela olha,
não vê horizontes, enxerga o muro a minha frente.
Mas enxergo no muro o horizonte que se esconde,
enxergar através do muro é meu segredo!
Agora sinto saudades de lugares que não conheço,
a saudade de agora é o meu pensar a frente,
diante do muro que omite o horizonte.
Algumas horas passam e outras horas se acomodam.
E meu sentir sente a falta de um olhar que perdi
e de mim já se faz longe... e agora já é nada.
O desejo que me faz vivo, é uma brisa fresca ao pé da montanha.
Meu pensar nada pesa, e de mim já não discorda.
Fico na paz de mim, a contemplar o horizonte que um muro esconde!...


S.André 12/09/2010 14:01h

Ricardo Rossi

sábado, 11 de setembro de 2010

Você se fez nada em mim ( Ricardo Rossi )

Você se fez nada em mim!
E nada agora enxergo quando te vejo,
és apenas uma imagem,
se mexe e respira e fala, mas não me diz nada,
( é como algo sem vida aos meus olhos ).
Nada enxergo, estás vazia agora...
E é triste te ver assim.
Você se fez nada em mim!


S. André 11/09/2010 12:20h


Ricardo Rossi

Reclamam comigo ( Ricardo Rossi )

Reclamam comigo que não entendem
o que escrevo.
Não escrevo para ser entendido,
escrevo o que sinto e apenas sinto o que escrevo.
Se são sabias ou insanas... ridículas ou verdadeiras,
o que me importa ?... sinto apenas!
Quem le minhas palavras ( se há querem entende-las ) devem sentir.
É como vestir sobre a pele uma camisa,
e sentir o tecido de que é feita,
e saber no sentir se é áspera ou suave
se é agradável ou incomoda...
Leve ou pesada... sentir apenas!
Sem pensar nas palavras, sem Ler-las
Vestindo as palavras como uma camisa...apenas!


S.André 11/09/2010 11:35h

Ricardo Rossi

Quando o dia de sol se faz ( Ricardo Rossi )

Quando o dia de sol se faz só no que penso.
Mas dia de sol é só meu pensamento...
Esta chovendo e as águas lavam o mundo,
mundo visível só a minha frente!
Mas é dia de sol embora as águas chovam,
o sol é meu pensamento.
E não importa se meu corpo se molhe,
de sol é meu pensamento e não penso no vento que agora.
Sinto o morno da luz que o sol me dá,
e meu sentir é tudo, sol em mim se faz
por que quero o sol no agora!
E a chuva que cai, não é mais do que o sol que se dilui.
Penso no sol que se dissolve e meu pensamento está leve,
não vejo as intempéries em meu pensar.
Se é sol o que desejo... em mim sol se faz!
É como o milagre de mim mesmo!
E é divino este sol ausente.
Por que é sublime em meu pensamento.
O que se pensa é o que se é,
o que se faz é o que se pensa!
Tenho tristeza dos pensamentos vazios,
mas os compreendo, cada pensamento tem seus sentidos.
E vejo as pessoas na chuva... seus olhares estão fechados,
por que não tem sol em seus pensamentos,
e a luz esta baça em seus sentir luz,
e não posso dividir o sol que me banha,
nesta manhã de chuva, por que meu sol
só comigo está agora!
No asfalto reflete o sol que brilha no meu olhar,
e o asfalto esta lavado da chuva que cai,
Mas no asfalto esta o sol que se liquefaz.

Meu sol agora guardo em meu bolso,
e vejo a chuva que cai nesta manhã de cinza,
minha visão esta baça... pouco vejo a frente!
Não enxergo as pessoas e elas não me enxergam,
somos invisíveis uns aos outros.
Nesta cidade de chuva e céu cinzento,
somos todos invisíveis... não nos vemos!
Amanhã eu penso, tirarei o sol do bolso.


S. André 11/09/2010 10:35h

Ricardo Rossi

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Olhando as coisas ( Ricardo Rossi )

Compartilhar um olhar sob o mundo,
não tem o mesmo sentir.
A cada qual se deve ao seu próprio olhar ouvir,
no som do que vejo absorvo meu pessoal sentir,
e tu não vê a coisa vista do mesmo modo que vi!
A cada um é dada a visão e o sentir ao seu jeito,
de modo que o azul do céu que sinto e vejo,
não é o azul do mesmo céu em teu sentir.


S.Paulo 09/09/2010 17:08h

Ricardo Rossi

A ocasião faz ( Ricardo Rossi )

A ocasião faz o ladrão,
faz o herói, o covarde,
o amante, o errante,
e o poeta, faz poesia.
A ocasião traz a tona,
o que se dorme profundo na alma,
e não há mau que não se cure...
E não há dor que não se farte da demência...
Paranóia das palavras é a poesia,
que na alma do poeta se deixa adormecida.


S. Paulo 09/09/2010 15:30h


Ricardo Rossi

XXVI - Às Vezes ( Fernando Pessoa - Alberto Caeiro )

Às vezes, em dias de luz perfeita e exata,
Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Por que sequer atribuo eu
Beleza às cousas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe
Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então por que digo eu das cousas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as cousas,
Perante as cousas que simplesmente existem.

Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!


Alberto Caeiro

Na paz de quem sou agora ( Ricardo Rossi )

( Aracy - Ciranda de roda )


Meu tempo visto no relógio de minha vida,
é sem sentido... não entendo a ciranda
dos ponteiros que na roda do tempo gira.
Não penso no tempo como algo que nos guia!
A vida é continua entre dias e noites,
sonhando de olhos abertos,
ou em sono sonhando a vida.
As vezes sonho colorido como filme de cinema!
E as vezes vejo o dia em preto e branco,
que se desbota sem enredo, filme mudo...
Meu tempo tem gosto de maçã no pé colhida!
Meu tempo é a essencial matéria do presente,
não sou parte do tempo relativo,
meu ontem e meu amanhã estão ligados pelo hoje,
no agora é meu tempo destituído de ponteiros.
A girar no horário ou anti-horário não importa!
Não sei do passado e nem no futuro penso.
O tempo é agora, uma continua seqüência,
como um trem que passa sobre os trilhos da vida.
E a vida está no tempo presente!
Sem mitos e deuses perdidos, apenas o que se sente...
Sem encantos nem assombros,
na paz de quem sou agora!


S.Paulo 09/09/2010 10:24h


Ricardo Rossi

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Deus esta comigo ( Ricardo Rossi )

Miguel Ângelo Buonarroti

Deus esta comigo,
não o vejo, mas esta comigo.
É ele meu amigo.
Foi ele quem me criou,
e me fez a sua imagem e semelhança,
mas não me fez igual a ele,
outro deus ele não queria.
Me fez com defeitos e falhas
vaidades e outros valores,
Deus não tem vaidade por que não há nada acima,
somente ele... Deus no topo.
Mas é ele meu amigo quando estou sem amigos.
Quando sou sozinho ele esta comigo,
e o que escrevo é ele quem me dita,
Ponho no papel o que Deus me fala.
Esta manhã nasceu em chuva,
ele me disse para ver a chuva,
e ele me mandou escrever estas palavras,
e Deus estava triste, por que as palavras
assim estão.
Eu não lhe vejo... mas lhe imagino.
E é ele triste e solitário a viver na santíssima trindade,
fica a ver Cristo na cruz pregado, e o espírito santo
pomba voa a toa, e fica Deus sozinho.
E quando ele esta muito triste e solitário,
vem falar comigo.
Mas ele não me conta suas historias,
nem me diz de suas dores,
só o sinto triste a economizar palavras.
Penso que as vezes ele queria ser homem,
não que Deus não o seja; Mas ele gostaria de
ser homem na essência humana.
E poderia amar e ser feliz um pouco,
e ser contente por amar e chorar quando o amor falta,
e poder ver as mulheres e ver as suas vaidades,
e sofrer de seus amores, penso que ele seria feliz as vezes,
e também seria triste as vezes.
Poderia ser meu humano amigo e sentar ao meu lado,
falarmos do vento e das nuvens, ver o sol poente,
e sentir fome e sede e beber cerveja,
sentindo o amargo de seu gosto gelado.
E olhar as mulheres que passam e sentir desejo humano!
E ser solitário em tristeza e ser contente em companhia!
Mas ele só me fala as vezes...
Como nesta manhã que chove,
as vezes ele me fala...
Mas hoje Deus esta triste!


S.C.Sul 07/09/2010 ( de manhã )


Ricardo Rossi

Passagem urgente ( Ricardo Rossi )

Quando ouço o zunido e vejo
no céu o traço que risca no
espaço que penso...
Vejo os jatos que vão embora!
Quero ir com eles, e não sei aonde?...
Não importa, quero ir embora,
e esquecer a minha historia
que aqui comigo vive.
Me é triste caminhar pelas ruas
revendo a minha historia.
Imagens do passado que se faz presente,
se repetem as frases que foram ditas
e não se completaram, e palavras ditas
e que não fazem sentido,
é triste não poder mudar nada
do que no passado fica!
Os amigos que morreram, agora estão mudos...
Já não me dizem palavras,
por que não há o que ser dito.
Aos amigos que estão vivos,
Já não recordo seus telefones,
e se os ligasse ao telefone,
não sei o que diria; talvez ficasse mudo,
e surdo do outro lado não me saberia.
Perdi as palavras e os seus sentidos,
fico em minha cidade, revendo a minha historia
do passado que não vai embora,
apenas envelheçem...
E é triste não se ter palavras para falar aos amigos.
Minhas tristezas levo-as comigo,
e o passado de minha historia,
como fotografia se desbota, amarelecendo...
Ficam sem imagens!
Ficaram distantes os sons que ouço na memória.
Minha historia é fotografia desbotada,
que penduro na saudade de minha mente,
ou voam soltas pelos ventos que existem em minhas lembranças.
Os jatos passam pelo caminho do céu riscado,
e em meu olhar lhes saúdo, em sua passagem urgente.

S.C.Sul 07/09/2010 ( de manhã )

Ricardo Rossi

Ausência ( Carlos Drummond de Andrade )



Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O que meu coração esconde?... ( Ricardo Rossi )

Em mim ainda acesa em chama viva
na busca sem sentido... algo se deseja?
E a luz nada ajuda, não tem clareza...
Por que é o que o coração esconde!
O que a vida dá e tira, deixa o gosto
amargo do sabor da mentira.
Mas também não sou verdade...
Sou alguem que se finge de mim .
No teatro deste mundo...
Ao palco desta vida, sou apenas uma imagem!
Mas me cumpre os ritos...
Comer, beber, banhar-me ... sentir saudades.
Aprendo a olhar sem vaidade, nem outros desejos.
Aprende-se a viver cada dia no sabor do presente!
Agora estou presente, amanhã serei saudade,
de um olhar que no palco da vida, pousou em minha imagem.
Em cada coisa que escrevo nela deixo a idéia do testamento,
Não sei em qual momento meu nome será chamado?
E a saudade não faz sentido, é apego desmedido
ao que se prende no passado.
Não se volta ontem, o relógio sempre a frente guia.
O horizonte é meu futuro, e se entre ele e eu houver
um muro... não me deterei ao seu encontro.
Agora sou o que escrevo... quando falo tenho ansiedades sinto desejos,
me atropelo nas palavras; mas escrevendo sem vontades nem desejos,
tenho melhor clareza!...
Ontem e amanhã estão ligados pelo sentido do que se faz agora.
Assim vejo sem anseios as luzes da aurora,
aguardando ao que chegará nas cores do poente.
Meu olhar apenas olha, sem saber o que meu coração esconde?...


S.C.Sul 06/09/2010 11:35h

Ricardo Rossi

Tecendo a manhã ( João Cabral de Melo Neto )


Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.


E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

domingo, 5 de setembro de 2010

Coração de passarinho ( Ricardo Rossi )

Meu coração é do tamanho
de um coração de passarinho,
por que minha alma voa,
e ela não tem asas...
tem somente meus pensamentos,
e meus pensamentos brotam da minh’alma,
meus pensamentos são simples,
e é meu coração pequenino.
meus pensamentos é do menino que ainda sou,
menino crê no amor...
ainda não viu a face da maldade.
( não quero ver )!
Passarinho e menino sou, ao ver o céu poente,
Fico triste e sou contente,
Por que nada entendo,
e não há nada a se entender...
Ver a vida com a alma que voa é o meu saber.
E dentro de um menino com coração de passarinho,
Apascento o meu viver.
nada desejo de mais sublime e sincero.
Apenas... que minha alma de passarinho voe!

S.C.Sul 05/09/2010 14:40h

Ricardo Rossi

Os ombros suportam o mundo ( Carlos Drummond de Andrade )

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Mãe ( Ricardo Rossi )

Mãe é a primeira palavra dita,
e é por ser simples e singela
em um só movimento de boca é dita..."mãe"
E não precisas de outros nomes,
Fulana, siclana, Conceição ou Maria.
Quando geraste a cria...Perdeste o nome
e passa a se chamar somente..."mãe"
E todas as são..."mães"!
De um ou de muitos,
e também de nem um filho gerado,
a vida sempre te põe ao lado,
alguem para te querer de..."mãe"
assim é, por ser esta sua graça e tua sina,
a natureza ensina que mulher é sempre ..."mãe"
Pai se presume, se some, é ausente ou desconhecido?
Pai se é em gozo, mas ninguem se gera sem..."mãe"
mulher pari em dor e sofrimento, ama, educa...cria,
se simplifica, se edifica, e se chama..."mãe"
e por ter Deus assim te criada,
atendera sempre que for chamada,
quando ouvir a palavra..."mãe"

( a minha se chama Ida )

S.C.Sul 05/09/2010 13:16h

Ricardo Rossi

Poema III ( Giovanni de Biazzi )

Será impressão minha?
O mundo está mais poeta,
As pessoas exalam palavras
Rimas, prosas e versos...

Tudo está tão mais poesia,
nem feliz, nem triste
Uma palavra em riste
uma lágrima caindo
entre o papel e a tinta
confunde, arguia,
todo um dolo selvagem
de palavras, ora alegres,
ora tristes, quão verdadeiras?
Tão presas, em certezas vazias...

O que solto de minha boca,
nem é um grito, nem um pranto,
Nem arfar do cansaço de dias,
O que sai é dúvida sensível,
sensata, sincera, mas despreparada.

Não ouso pendurar bandeiras
Que ditem idéias e clamem o medo,
Que acham-se puras, boas e justas.

Não quero impelir minhas certezas
Que nem sei se tão certas são
Quero só uma boa dúvida
E prefiro até o fracasso pedagogo
Do que a vitória vazia...
(...Que vitória é essa, afinal?)

Demoro a dar os passos
Olho, à procura de pedras,
para o chão calcado por anos
Quantos pés já recebestes?
E quantos duraram?
Quantos pereceram?
Quantos caíram de joelhos,
com mãos aos céus,
pedindo clemencia?

Não quero certezas,
talvez, poesia, talvez...

Quero sentir enquanto há tempo
até o sempre, quando não me sobrará
mais dias atrás de dias.

Não quero certezas, não
talvez poesias, talvez erro,
insensatez, ação e beijo
cheiro e vida e abraços
lasciva, suspiros e olhares...

Não quero certezas,
elas não me bastarão!
E se for a poesia,
que seja a mais bem sentida!

A miopia desta vida ( Ricardo Rossi )

( Para Fernando Pessoa na pessoa de Alberto Caeiro )

Tua visão lógica desencontrada,
Ausente na presença,
Sensível na mentira verdadeira,
Pura sem clareza,
Clara sem saudade,
Amada sem amor, e terna sem temor.
Nela... fico a vontade!
Não te entendo e te compreendo,
E me sento ao teu lado
Na sombra dum arvoredo,
No cimo dum outeiro,
Lendo tuas poesias...
Fico a vontade...
e olhando através do teu óculos míope,
enxergo a miopia desta vida.


S.C.Sul 05/09/2010 09:42h

Ricardo Rossi

Li tantos livros ( Ricardo Rossi )

Li tantos livros...
que já não lembro,
títulos e nome dos seus autores.
Li, romance, matemática, gramática,
Ficção, futurologia,
Discursos de liberdades,
Vozes da tirania,
palavras das verdades,
Elegias das mentiras,
Poesia, putaria, contos de fadas (e de fodas),
religiosidades, santidades,
Filosofia, geometria,
Tristezas e saudades,
Amores e vaidades!...
E nada mudou o meu olhar
Para esta vida!


S.C.Sul 05/09/2010 09:12h


Ricardo Rossi

Quando vier o verão ( Ricardo Rossi )

Quando vier o verão de sol causticante,
e se eu estiver vivo e presente,
( as vezes sou ausente e não quero a vida ver).
Pretendo me vestir de branco,
em um bonito linho branco...
Calça e camisa em branco linho,
e caminhar sentindo a brisa quente.
O sopro morno do beijo de vento,
beijo branco em linho quente,
Sem nada pensar... ser apenas o linho branco.
Caminhando em beijo quente,
que a brisa vem para de me dar.


S.C.Sul 05/09/2010 09:09h

Ricardo Rossi

Meu lado escuro é mais claro ( Ricardo Rossi )

Quando com raiva fico
e falo o que pela boca transborda,
sou mais verdadeiro.
Quando em meu lado calmo habito,
de mim sou eu dissimulado,
meço as palavras, vejo o sentido,
não sou meu verdadeiro.
Antes de se ser por inteiro,
se faz preciso conhecer aos pedaços.
Quando a vida me prende nos laços,
mais eu, eu fico, e mais eu me faço.
Preciso dos desafios da vida
para mostrar minha verdadeira face.
Mas não me gosto e nem de mim admiro.
Quando na face exposta em luz é minha verdade,
mais de mim desgarrado fico.
E de mim sem meus medidos sentidos,
torno-me eu, meu próprio inimigo.

S.C.Sul 05/09/2010 07:30h

Ricardo Rossi

sábado, 4 de setembro de 2010

Já não penso mais nela ( Ricardo Rossi )

Já não penso mais nela?...
Ainda penso nela,
penso nela como a ver raios que iluminam a noite,
um brilho de assombro.
Quando penso nela me espremo e fico pequeno,
e de mim sinto saudade.
Já não tenho vaidade,
por confessar que penso nela.
Mas sinto vergonha!

S.C.Sul 04/09/2010 11:21h

Ricardo Rossi

As palavras perderam o sentido ( Ricardo Rossi )

Ficamos tão distantes de nós,
minhas palavras são mudas aos teus ouvidos,
tuas palavras são surdas aos meus sentido.
Desgarrados agora estamos!
O horizonte que olhamos é o mesmo aos nossos olhos,
mas diferente aos nossos sentidos.
No relógio não nos encontramos,
nosso tempo esta perdido!
Acordo quando dormes,
quando durmo vais embora.
Poucas palavras nos falamos...
Bom dia, boa tarde, boa noite...
Vá com Deus, fique com ele...
As palavras perderam o sentido.


S.C.Sul 04/09/2010 11:07h

Ricardo Rossi

V - Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada ( Fernado Pessoa )

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Alberto Caeiro

Não sei se algo eu quero ( Ricardo Rossi )

Não sei se algo eu quero,
estou presente nesta vida
e a vida não me faz diferente!
Acompanho o sol da nascente ao poente,
todos os dias o sol se faz presente
e nada importa, é assim tão natural que não percebemos.
A paisagem que eu vejo da minha porta não existe,
não tenho casa nem paisagem a sua frente,
e isto não me deixa triste nem sou contente.
Se meus pensamentos dedico a alguém,
é porque me desgosto, e meus pensamentos
transbordam por minha mente.
E as vezes é meu coração quem sente!...
Não penso muito em mim, me cansa sonhar futuro,
não precisa sonhar futuro, ao seu tempo há de chegar!
Viver o presente já é o bastante, mas as vezes me canso.
Preciso trocar os óculos para mais distante olhar,
quem sabe se de novas lentes em meu olhar
eu perceba mais coisas, ou novas cores haverei de enxergar?
É bonito quando se olha o mundo com o primeiro olhar,
tudo é novo e profundo e mistérios a revelar,
não vejo mais nada novo no mundo!
Preciso trocar os óculos!
Olho as pessoas no mundo com minhas lentes antigas,
e não sinto mais os mistérios nas almas de corpos vivas.
É como se não visse as pessoas, é triste nada enxergar!
As pessoas estão vazias cheias de vaidades,
elas se olham apenas, só nos espelhos vêem.
É triste se olhar no espelho e ver o corpo apenas!
As pessoas precisam trocar os óculos!
E verem alem dos espelhos, e verem a outras pessoas.
Todas as manhãs quando o sol ilumina a porta da casa
que não tenho, eu olho a paisagem iluminada
que não existe diante da porta!

Eu escrevo como quem ora!
E nada peço a Deus por que nada ele tem a me dar!
Deus é natural como uma aurora boreal,
nunca o vemos, mas sabemos existir!
Não nos conhecemos, nem eu a ele, nem ele a eu,
mas sabemo-nos e somos felizes por nos sabermos!
Mas escrevo e isto me basta como um milagre,
são graças alcançadas as minhas palavras escritas!
Minha oração é poesia!
E nada é mais natural em meus sentidos.
Orar como se escreve é ser como quem ora.
É o milagre natural que se desprende e não se enxerga.
O coxo que volta a andar é por que ainda tinha pernas,
o cego que volta a ver é por que ainda tinha olhos,
é natural os milagres , tão natural como caminhar no mar alto.
Tem pessoas que não oram e nem escrevem e são tristes
nas alegrias que sentem.
Deus não me conhece, nuca me veio a falar comigo.
Em vezes fui a falar com ele, e ele não estava,
falei com as paredes como quem a Deus falava.
Mas fui mais feliz neste momento, com as palavras
ditas a parede... minha alma aliviava.
Por isso eu escrevo, são dedicadas a Deus e a mim mesmo
as palavras que escrevo!
Alguém poderá um dia ler minhas palavras,
e delas nada entender, não me importo...
A cada qual é limite o alcance do seu saber!
Não sou mais sábio que Deus,
e Deus não é mais sensível que eu!
Por isso escrevo como quem vê a paisagem de sua porta!

Quando eu morrer, serei mais feliz que agora,
serei mais feliz porque não terei que ser feliz!
É isto a felicidade pura, não se preocupar com ela.
Se campos houver lá onde seja, e se não houver campos.
Nada importa, se estiver vivo em uma consciência que desconheço
também não importa, nada importa a uma consciência plena!
Por isso escrevo, como quem vê a paisagem iluminada
na consciência de sua porta!


S.C.Sul 04/09/2010 08:30h


Ricardo Rossi

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Entre beijos abraços e outras tragédias ( Ricardo Rossi )

Entre beijos abraços e outras tragédias
Meu olhar se esgueira
Vi queimar noutras fogueiras
o deslumbre de outros olhares....
da fina seda aranha a teia tece
a espera da mosca enroscar
para o sangue a lhe sugar...
vivi beijos e abraços
e delirei em outras tragédias
na fina seda que me envolveu
fui a mosca que seca morrer!

S.Paulo 03/09/2010 15:45h


Ricardo Rossi

XXXVI - Há Poetas que são Artistas ( Fernando Pessoa )

E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.

Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira,
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem sei eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao solo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono.

Alberto Caeiro

Eu Nunca Guardei Rebanhos ( Fernando Pessoa )



Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Alberto Caeiro

Quero ir ao sol ( Ricardo Rossi )

Não consigo parar de escrever
Estou cansado e outras coisas quero fazer
Mas não consigo parar
Quero ir ao sol
Não quero colher flores
Nem ouvir o murmúrio dos ribeiros
Ou o gemido das ondas na praia a se quebrar
Estou com o saco cheio desta
Minha obcecada poeticaparanóica
E o mundo La fora tem mistérios
Vou vestir uma roupa clara
Com cuidado pentear os cabelos
E sair para ver os mistérios.


S.C.Sul 03/09/2010 11:15h

Ricardo Rossi ( chega )

Quando eu nasci eu já era eu ( Ricardo Rossi )

Quando eu nasci eu já era eu,
E eu fui eu ontem
E eu serei eu amanhã,
Com algumas diferenças em cada tempo.
Mas no essencial é sempre a mesma [...] coisa,
Sou eu quando durmo
E sou eu quando estou ali na esquina.
Me lembro que um dia estava na livraria
A ver livros ( que outra coisa faria?),
E me vi a ver livros,
Mas não me vi em pensamento,
Estava fora de mim a me observar.
Não fui mais feliz por isto,
Nem tive pena do que vi,
Apenas vi um homem “eu” nos livros a se buscar!


S.C.Sul 03/09/2010 11:ooh

Ricardo Rossi

E daí?????? ( Ricardo Rossi )

Completo hoje,
Cinqüenta e quatro anos e nove meses.
E daí??????
Que diferença isto faz???????


S.C.Sul 03/09/2010 10:45h

Ricardo Rossi

Não foi o beijo que perdi ( Ricardo Rossi )

Não foi o beijo que perdi,
foram sonhos que morreram,
Pelo golpe certeiro,
que a vida tinha a dar!


S.C.Sul 03/09/2010


Ricardo Rossi

A prima-vera não se faz sem flores ( Ricardo Rossi )

A prima-vera não se faz sem flores,
e se o outono fosse florido, não existiria a prima-vera!
Cada estação tem seu sentido,
no inverno ao verão se deseja,
no verão se sonha com o frio.
E cada coisa é correta ao seu tempo!
Somente meu sentido é desconexo...
Sou ainda o esboço no rabisco,
não tenho os seguros traços finais.
Sigo a vida em meus caminhos,
me vejo adiante e me vejo no passado,
que fica me aguardando, em uma esquina desta vida.
Nunca esqueço nada,
tudo em minha memória é ciranda a bailar.
E não sei a que estação estou presente,
não vi a prima-vera nem as folhas outonais.
Mas se de mim estou perdido,
ainda sei que cada coisa tem seu tempo,
se virá nas flores da prima-vera,
ou no outono hà de chegar.

S.C.Sul 03/09/2010 10:30h

Ricardo Rossi

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Que me importa o meu nome ( Ricardo Rossi )

Que me importa o meu nome
Meu nome de mim nada me diz
E o mundo não se comove
Com que em mim se faz triste ou feliz
Uma mulher passou a minha frente
E não me deu seu olhar
A humanidade passou ao meu lado
E não pode me notar
A arvore não se mexeu do seu lugar
No outono suas folhas desprendeu
E de mim nada quis
Não importo ao o outono
Na prima-vera botaram flores
E não era mais triste que foi o outono
Se chover amanha serei como estou agora
Se chover amanha nada muda em meu olhar
O sol ao ceu percorre com chuva ou sem ela, nada importa...
a arvore não se mexeu do seu lugar
Mas ela foi o outono e fez a prima-vera.


S.C.Sul 02/09/2010 14:00h

Ricardo Rossi

Anjos ( Ricardo Rossi )

A pêra como areia na boca Derretia.
O olhar perseguia sem nunca a mão tocar,
Mas teu ser sentia algo a revelar.
Pelo mundo andarias sempre a recordar,

A poesia que um dia, no papel viu brotar.
Teu nome chamaria no vazio a esperar.
E assim seguiria sempre no silencio a buscar,
a mulher que um dia, com desejo quis amar.

mas o tempo afastaria e a vida seguiria,
em caminhos paralelos sem nunca encontrar,
as mãos que um dia se quiseram entrelaçar.
assim seguiriam pelos caminhos que o destino pode dar.


S.C.Sul 02/09/2010 10:25h
( completado 03/09/2010 09:50h )

Ricardo Rossi

Preciso amar ( Ricardo Rossi )

A hora passa e meu coração esta vazio.
Preciso amar!
O dia passa e não vivi,
a vida passa e não me vê.
Estou sozinho...
E a solidão me desespera.
Menino perdido da mão materna!
Estou só , e o mundo não se atenta
ao que estou sofrendo.
Estou só , e nada sinto neste peito desertificado.
Estou só e ando errado,
por caminhos nunca vistos... tenho medo!
Estou sozinho, fique comigo te rogo,
não me digas nada, fica no silencio,
me olhe sem palavras,
me de a mão e me de um beijo.
Estou só e tenho medo!
Me guarda ao teu lado!!!


S.C.Sul 02/09/2010 09:30H

Ricardo Rossi

Que o céu me acude ( Ricardo Rossi )

Quem em mim se faz presente?
se eu não o conheço!
Quem de mim me guia?
E não sei a que lado iria!
Quem em gritos rompeu na noite?
E não me deixou sonhar!
Quem em mim veio do passado a me cobrar?
E eu não tinha paga a lhe dar!
Quem em mim me protege e me guarda?
Só espero que o céu me acude!


S.C.Sul 02/09/2010 03:45h

Ricardo Rossi

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Opções ( Ricardo Rossi )

Sejas na vida
aquilo que tu queres,
a quem quer castelo erguido,
as pedras lhe esperam!

Aos que no amor se encontram,
as flores lhe enternece,
e poesia é seus dias
e vazio é seu viver!

Aos que santo se desejam,
em manto negro se vestem,
em orações padecem,
na clausura se protegem!

A quem se dedica a cria,
de si se esquece,
se entrega sem troca,
e se contenta em nada ser!

A quem do corpo quer orgia,
ser vaca é o que deves,
o pasto lhe esta aberto,
e sem pudor se delícia!

A quem juiz se faz na sentença,
também serás julgado,
e pelo certo e pelo errado,
pagaras os teus pecados!


S.C.Sul. 01/09/2010 12:03h

Ricardo Rossi

Maior me faço ( Ricardo Rossi )

Faça-me menor nas coisas que faço
que menor será meu cansaço,
no menor de mim... maior me faço!
Não há tempo nem espaço que limite!

Por onde meu olhar permeia
não permitirei os entraves da vida,
cessar o que me incendeia,
Nem me prenderei nos tramos de suas teias.

Como um pássaro que trina,
ao sol que lhe aquece
na luz que ilumina,

sigo espalhando meu canto
Com a alma simples e pura,
a terra ainda, não me cobriu seu manto!


S.C.Sul 01/09/2010 10:31h

Ricardo Rossi