segunda-feira, 2 de agosto de 2010

VOAR BORBOLETA ( Ricardo Rossi )

I   ( A CARTA )

Porque eu escrevo, não sei?
Porque se a mim me vejo, penso que sou eu.
E meu eu não me conhece,
Escrevo no papel aquilo que penso,
E penso que no papel eu me escrevo.
Não sou Deus, mas não tive começo e não terei fim
De modo que não mereço saber nada de mim.
Pois quando se caminha para a morte,
Existe o desejo de no fim se saber por inteiro,
Não morrerei, apenas mudarei de forma,
Como a lagarta se torna asa e voa borboleta,
Que faz outra lagarta e borboleta voa!
Eu ontem não existia, agora aqui dentro de mim, não me sei.
Quando de mim eu me partir, quero a mim contar um segredo.
Daquilo tudo que sabia e daquilo que não sei.
E assim escrevo, vou aqui e ali no letreiro, contando os pedaços,
Até chegar um dia ao eu inteiro.
não gosto do que olho ao espelho,
Então me vejo no papel onde me escrevo,
Uma carta que agora escrevo de mim para mim,
Para ser lida somente quando de mim eu necessite.

II    ( O CRER )

Creio ser bom, e penso ser bom...
Mas não o sou , me amo pouco, um quase nada.
De modo que não sou um bom homem,
Eu amo muito o eu que imagino,
Mas no eu do meu destino, amo quase nada.
Dou mais amor a quem amo, porque me amo pouco,
Então me sobra amor para dar!
E não importa se é a fina seda que me veste,
Me amarei pouco, vestido de fina seda.
Gostaria de gostar de mim, de ser o único motivo da existência,
Mas não posso, no espelho da alma vejo meus defeitos
E com calma, conto os meus defeitos...
Me amo pouco, mas finjo que é muito,
Minto a mim mesmo... e minto para a minha sombra,
E Minto para os meus pensamentos.
De jeito que de mentiras sou meu apaixonado.

III   ( O OLHAR )

Sento-me ao pé da vida, fico ali calado,
Vendo a vida e os viventes,
E sinto inveja dos que passam em
Passos seguros com cabeça erguida e olhar de muro,
As vezes tropeço em meus passos...
As vezes eu tropeço nas minhas palavras,
As vezes tropeço nos meus sentimentos,
E ainda as vezes tropeço em minha sombra,
Vendo os viventes altivos e contentes!
Me vejo só e desolado, -serei o único neste mundo?
As vezes tenho medo, e também vontade de chorar.
Mas não existe ombro a consolar meu pranto!
Então do pé da vida me levanto,
E não penso mais nada.

IV  ( O DINHEIRO )

Eu queria ter muito dinheiro e não ter amor,
Compraria pessoas e amor, e as pessoas me amariam
Em dinheiro a vista ou um pouquinho a prestação.
E então conheceria o amor verdadeiro,
Amor de dinheiro, amor vinculado ao saldo,
Amor vivido até o ultimo pagamento.
Registrado em cartório com titulo de propriedade,
E recibo de quitação.
Mas não tenho dinheiro para comprar amor.
Então compro cigarro e pão.

V  ( A IDADE )

Tenho mais de cinqüenta anos,
e um olhar perdido sobre este mundo.
Não creio mais neste mundo, nem nas pessoas.
Não creio em nada...
Mas pela sina ou pela sorte, estou aqui presente,
E seguirei à frente até eu um dia... voar borboleta!


São Paulo 02 de agosto de 2010 23:38 ( a rua esta fria )

Ricardo Rossi

Um comentário:

  1. Da crisálida emerge a borboleta adulta que assim nasce uma segunda vez.Muito bonito esse poema.

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